Tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, completa 15 anos e desabrigados ainda aguardam por moradias
07/04/2025
(Foto: Reprodução) A Prefeitura de Niterói estima que 43 pessoas morreram com o deslizamento de terra que arrastou dezenas de casas do morro que foi construído no terreno onde funcionava um lixão. O número de vítimas fatais pode ser até maior. Tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, completa 15 anos e desabrigados ainda aguardam por moradias
Dezenas de casas arrastadas pelas chuvas, mais de 50 mortos (a prefeitura fala em 43) e milhares de desabrigados. Esse foi o salto da tragédia do Morro do Bumba, em Niterói, que completou 15 anos nesta segunda-feira (7).
Apesar de 263 sobreviventes já terem recebido uma nova moradia, alguns em condomínios estruturados, muitas famílias ainda aguardam por seus direitos.
A promessa na época era que todos os desalojados receberiam um aluguel social e uma casa através do Programa Minha Casa Minha Vida. Mas a realidade não foi bem assim.
"Estamos nessa luta desde 2015, 2016, 2018, lutando brigando e suando por uma moradia que é nosso direito. A gente não quer briga nem confusão. A gente só quer moradia", comentou a cozinheira Jovita Machado.
"Eu vou lutar até morrer, mas essas casas, esses apartamentos, a gente tem que entrar", afirmou.
A tragédia
Na madrugada de 7 de abril de 2010, o Morro do Bumba, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, desabou como um castelo de areia. Construído sobre um antigo lixão irregular, o terreno cedeu após dias de chuva intensa, engolindo casas, histórias e dezenas de vidas.
Deslizamento no Morro do Bumba, em Niterói, em área onde casas foram construídas sobre um antigo aterro sanitário.
Carlos Ivan/Agência O Globo
A avalanche de terra e entulho soterrou ao menos 43 pessoas, segundo a Prefeitura de Niterói, mas sobreviventes como Martiniane Silva, que perdeu seis familiares, incluindo dois filhos, garantem: "O número é muito maior".
"Eu perdi todo mundo, meus filhos, minha mãe, meus sobrinhos e minha irmã. Eu estava em casa. Sobreviveu eu e minha sobrinha", comentou Martiniane.
"Meu filho foi soterrado pelo guarda-roupa e minha filha pela geladeira que caiu em cima dela. Não deu tempo de sair", lembrou.
A Prefeitura de Niterói também não tem a conta de quantas casas foram destruídas na tragédia do Bumba. O cálculo é uma soma de todos que tiveram de deixar suas casas no município naqueles dias de temporal.
"Cerca de 9 mil pessoas, dentro do contexto de imóveis interditados, com medo, são pessoas que saíram de casa ou desalojadas. Muitas delas voltaram para suas casas", disse o secretário-adjunto de Defesa Civil de Niterói Walace Medeiros.
Promessas pelo caminho
Nos dias seguintes a tragédia no Bumba, as autoridades municipais, estaduais e federais prometeram o pagamento do aluguel social às vítimas e casas para as famílias afetadas.
Trabalho de resgate no Morro do Bumba, em 2010, após deslizamento
Liana Leite/Globonews
Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, que seria a responsável pelo pagamento do aluguel social, afirmou que em 2011, havia 3,2 mil famílias cadastradas para receber o benefício.
Segundo o órgão, atualmente são 521 famílias, o que representa R$ 208 mil por mês para o estado.
Os desalojados do Bumba foram transferidos para oito conjuntos habitacionais. E a Prefeitura de Niterói se comprometeu a entregar mais mil unidades do Minha Casa e Minha Vida a pessoas que vivem em áreas de risco da cidade.
O sonho de Jovita, Tânia, Ney e de outras famílias do Morro do Bumba é ter uma casa própria no terreno que foi desapropriado pela prefeitura há 10 anos.
Contudo, as condições do local ainda estão muito distantes para essas famílias reconstruírem a vida por lá.
Os desalojados se juntaram ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Há uma década, eles batalham pela casa própria. O terreno hoje não tem nada construído.
"Termo de intenção da prefeitura, fizeram a cessão, conseguimos os recursos, mas estamos sendo enganados pela prefeitura há 10 anos", comentou Ney.
"A gente tem o recurso do governo federal, tem a autorização, mas não fizemos obra porque a prefeitura prometeu e não fez a infraestrutura, não cumpriu", disse Glaucia da Silva.
A Prefeitura de Niterói informou que está em tratativas com o Ministério das Cidades para construir 800 moradias, número bem maior do que o pedido pelo MTST.
Sobre o terreno, o município informou ainda que a proposta deles, de dar infraestrutura para apenas 92 casas, implicaria em custos altíssimos de infraestrutura. A prefeitura propõe construir 300 apartamentos, readequando o projeto para atender mais pessoas a um custo razoável.
Abandonados com casas
A Martiniane, o Michel e o José Carlos fazem parte da primeira leva de moradores do Morro do Bumba beneficiados com um apartamento. O endereço do recomeço para 93 famílias foi de um conjunto residencial no bairro Várzea das Moças, a cerca de 15 quilômetros do Bumba, que ficava no bairro Viçoso Jardim, na Zona Norte de Niterói.
"Fomos realocados aqui. Fomos os primeiros a virem pra cá pro Várzea das Moças. Esse aqui era um conjunto para pessoas de salário acima de R$ 5 mil", questionou José Carlos.
Depois de 10 anos do desabamento, moradores do Morro do Bumba ainda aguardam apartamentos
Para o morador do conjunto habitacional, o problema agora é conseguir pagar as taxas municipais e estaduais para morar em um condomínio em um bairro nobre.
"Estamos pagando um absurdo de IPTU, muitos não tem condição de pagar, muitos vivem de Bolsa Família. É uma coisa que estamos pedindo ajuda. A gente ta esquecido nesse lugar", reclamou Martiniane.
O José Carlos é o síndico do condomínio e faz o que pode para manter tudo funcionando. Mas com o tempo, as dívidas foram se acumulando. Segundo ele, a rede de esgoto precisa de reparo, as paredes e muros estão danificadas e as grades de áreas comuns do condomínio colocam as crianças em risco.
"Hoje em dia a gente luta para pagar uma luz, gás, condomínio. Nem todos conseguem", comentou.
Condomínio modelo
Outras 180 famílias tiveram mais sorte. Em 2014, três anos depois da tragédia, esse grupo de sobreviventes recebeu moradias no Condomínio Jardim Viçoso. André Luiz Oliveira é o síndico do local. Segundo ele, esse é o melhor local para se morar.
"São 180 apartamentos, a maioria veio do Bumba. Aqui tem quadra para as crianças brincarem, parquinho, academia de idosos. É o melhor prédio pra se morar", contou André.
"A gente tinha aquele medo da casa cair. Eu perdi a minha, mas agora chove e a gente fica tranquilo, sem risco de nada. Sou feliz", comentou o síndico.
Investimento
O desastre de 15 anos atras deixou algumas lições para o município. A maior delas é sobre a necessidade de investir em prevenção, em um sistema de alerta e monitoramento.
Atualmente, a prefeitura conta com um centro de monitoramento, que acompanha a meteorologia, dispara alertas e sirenes para evitar tragédias como a de 2010.
"De la pra ca, não tivemos mais tragédia daquela magnitude", disse Medeiros.
O Centro de Monitoramento de Niterói conta com um radar de última geração, entre outros equipamentos e profissionais.
O que dizem os citados
A reportagem do RJ2 pediu mais um posicionamento para a Prefeitura de Niterói em relação aos moradores do condomínio em Várzea das Moças e o município informou que concede isenção de IPTU aos moradores de empreendimentos vinculados ao programa Minha Casa Minha Vida durante o prazo do contrato de financiamento.
Segundo a prefeitura, depois desse prazo, o imposto é cobrado de todos os moradores de todas as faixas do programa, com algumas exceções, como idosos e pensionistas.
Já sobre o pedido dos moradores por um apoio na manutenção do condomínio, a prefeitura não respondeu.